quarta-feira, 5 de agosto de 2015

#Crônica01 - Amor Armado


Eu o conheci num domingo. Era perfeito. Era lindo. Era forte. Era alto. Era, mais uma vez, perfeito. E, veja, quando digo “lindo”, não falo só de beleza física. Ele era lindo, por fora e por “dentro”. De fato, eu poderia tê-lo visto mais vezes, depois daquilo. Poderia tê-lo procurado, saído, conversado, confessado o que sentia. Minha insegurança é que não me permitia, não me deixava ser tão idiota a ponto de tal coisa. Eu havia visto, havia notado algo mais que sua ausência de imperfeição: a arma.
Não era branca. Era de fogo. E mesmo que eu visse apenas sua coronha, sabia o que era. Já havia mantido contato direto com algo do tipo. Tudo o que eu mais queria, depois daquilo, era distância dele. Não queria saber o que ele era ou o que fazia com aquilo preso à cintura, mas queria distância. Seguia os ensinamentos de minha mãe: “um homem com uma arma nunca é um homem bom”. Confiava nisso.
O lugar: uma praça. Aberta. Livre. Pessoas caminhando de um lado para o outro. Estava eu num banco, lendo um livro, quando seu perfume atrapalhou minha leitura mesmo antes de ele passar. Era um cheiro doce. Forte. Distraí-me. Olhei-o. E, como já disse, era lindo. Vinha recitando poesia, um verso simples e que eu, conhecendo poesia como conhecia, não reconhecia:
Os passos que o amor dá
são os mesmos passos da morte:
acredita quem quer ver;
vive quem tem sorte.
Os passos que a morte dá
são os mesmos passos do amor:
ou vive sem respirar
ou perde a vida em dor.
E, naquele momento, sua beleza saiu. Foi-se embora. Ela se foi. Junto com a arma que se foi de seu cós. Junto com a bala que se foi de seu revólver. O estampido seco que, mais tarde, descobri a quem matara: uma moça, tão linda quanto ele. Tão exuberante e tão inteligente quanto ele.
De repente, sua poesia fazia sentido. De repente, sua beleza já não fazia mais algum. De repente, as armas que o amor dispõe foram expostas demais, a ponto de deixar em minha mente uma trava tão forte que não me permitiu erguer daquele lugar. Fiquei ali. Ele guardou a arma, sentou-se ao meu lado e perguntou meu nome.
Eu tremia. Não queria dizer, e não disse. Ele não me obrigou. Mas a tensão era visível. Ele tinha acabado de matá-la. Como eu deveria ficar? Ele tinha olhos azuis, cabelos loiros, corpo bem definido, ares de quem lia poesia ─ e escrevia também.
Perguntei-lhe se era poeta.
Ele disse que sim. E que aquele fora seu primeiro poema, criado anos antes do então presente fato. Mas o que mais me mexia era o que ele me pedia:
Chame a polícia... antes que eu decida escrever mais um poema de amor.

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